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NÚCLEO MEMÓRIA

Atividades núcleo memória |   Direitos Humanos em Foco – “A questão do encarceramento e as políticas públicas sobre a privação de liberdade”

 

Foram convidados para essa atividade Marina Dias, diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e idealizadora, produtora-executiva e pesquisadora do documentário “Sem Pena”; Rafael Godoi, doutor e mestre em Sociologia pela USP, e autor do livro “Fluxos em Cadeia – As prisões em São Paulo na virada dos tempos”; e Fábio Pereira Campos Misael, membro da Associação de Familiares e Amigos de Presos/as – AMPARAR, da Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo e do Kilombagem, organização do Movimento Negro. A apresentação da atividade contou com a participação de Ana Pato, coordenadora do Memorial da Resistência, e Maurice Politi, diretor do Núcleo Memória. A mediação da conversa ficou com Oswaldo de Oliveira Santos Jr., professor e diretor do Núcleo Memória, e as perguntas e participação do público foram trazidas por César Rodrigues, historiador e pesquisador do Núcleo Memória.

Após a abertura do evento e apresentações dos convidados, Marina Dias foi a primeira a falar. Como idealizadora do documentário “Sem Pena”, disse que o filme levou cerca de quatro anos para ser produzido em uma parceria entre o IDDD e a Heco Produções, além de ser pensado como uma tentativa de dar conhecimento sobre a questão carcerária e procurar refletir sobre o funcionamento do sistema prisional e a cultura punitiva no país. Em seguida, foi exibido um trecho com cerca de 20 minutos do documentário. Na volta, Marina Dias elogiou a edição feita do filme, pois contemplou as diversas discussões que ele procura fazer: que o sistema de justiça criminal é marcado pela seletividade, pelo racismo e pela injustiça, assim como a política de segurança pública, que é pautada por um policiamento ostensivo com a presença opressora da polícia em determinados territórios contra um pré-determinado grupo - a juventude negra e periférica. Após diversas outras reflexões e críticas sobre a forma como o sistema de justiça criminal opera, Marina questiona: o que estamos produzindo com esse sistema? O encarceramento em massa tem dado conta de responder ao aumento da criminalidade? Será que não é preciso repensarmos a forma como lidamos com estes altos índices? Não seria esse sistema que tem alimentado o aumento constante da violência? Por fim, diz que precisamos voltar a repensar a criação de uma sociedade justa e igualitária, em que valores como pertencimento, inclusão, respeito, diversidade e diálogo sejam mobilizadores.

Em seguida, o sociólogo Rafael Godoi fez uso da palavra. Disse que sua fala tem como inspiração o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, celebrado neste dia, 26 de junho. Rafael comentou sobre o manifesto que o Mecanismo de Combate à Tortura do Rio de Janeiro estava lançando nesse mesmo dia e convidou a todos para lerem, a fim de que ele possa nos instigar a repensar conceitos e estratégias. Ainda sobre o tema da tortura, o sociólogo disse existir duas maneiras de abordar a temática: a concentrada (que é individualizada, com possibilidade de identificar torturado e torturador) e a difusa ou continuada (que é estrutural e institucionalizada, atingindo não só o preso/sentenciado/acusado, como também seus familiares). Na pesquisa que vêm realizando e na tese que está elaborando, Rafael entende a tortura difusa e continuada como fruto da naturalização de um tratamento torturante durante todo o processo de incriminação e sanção, que acaba tornando a tortura concentrada tão comum. Em nossa tradição analítica, a tortura é tida como decorrente do nosso passado escravocrata e ditatorial, e ele propõe que para além dessa linha contínua com a história, também a vinculemos com um sistema mais amplo, que naturaliza uma linha de tratamento desumano, cruel, degradante e torturante. Após uma série de apontamentos sobre os problemas cotidianos vivenciados no sistema carcerário, o sociólogo afirma que essas práticas devem sim ser consideradas uma forma de tortura que levam a um número expressivo de mortes.

O terceiro convidado da tarde a falar foi Fábio Pereira. Ele explicou que a AMPARAR é uma associação que surgiu em 2004, mas seu nascimento aconteceu antes, nas portas da antiga FEBEM, no estado de São Paulo, com mães de adolescentes detidos que se reconhecem enquanto vítimas de tortura, tanto dos filhos quanto delas próprias. Fábio explica que os números hoje dão conta de cerca de 800 mil pessoas que se encontram privadas de liberdade no Brasil, mas que esse número não representa uma ilha, ou seja, que eles estejam sozinhos e se identifiquem como um grupo. Cada pessoa traz consigo outros cinco ou seis familiares, elevando o número daquelas pessoas que estão diretamente envolvidas com a situação de aprisionamento para mais de 4 milhões. Fábio diz que “a política pública que chega na quebrada é a política de Segurança Pública” e ela só serve para conduzir as pessoas que nela estão para vivenciar a tortura nos presídios. Estudante de Serviço Social, ele diz ser necessário criar estratégias de organizações comunitárias para lidar com o encarceramento em massa, pois os números só aumentam, mesmo nos anos de governos progressistas que tivemos. Portanto, a questão que surge é: como podemos pensar propostas para implementar e executar políticas públicas em territórios que são extremamente pauperizados por um processo de desigualdade social? “Temos tentado chegar antes das viaturas, mas é muito difícil”, diz Fábio. Segundo ele, as pessoas que saem do sistema prisional são reconhecidas como sobreviventes, e não egressas, pois elas são colocadas nos presídios para morrer no que entende ser um cemitério de vivos mortos. Por isso, é muito importante refletirmos sobre qual é o lugar da prisão quando elaboramos outros modelos de sociedade. Afirma que existe a concepção de que a prisão “é o lugar em que colocamos nossos inimigos”, e mesmo nós, quando chegamos ao poder, mantemos esse pensamento. Fábio, que teve uma experiência no cárcere entre 2004 e 2007, disse que as pessoas presas estão confinadas de sua cidadania e relatou o episódio em que não pode votar para eleição presidencial de 2006 por estar preso. Em sua reflexão final, acredita que precisamos olhar para todos os nossos problemas históricos, como o genocídio indígena, escravidão e a última ditadura, para pensarmos na construção de um futuro melhor e “desmantelar um sistema prisional que só mata os nossos”, disse Fábio.

Na sequência da atividade do Sábado Resistente, Oswaldo de Oliveira refletiu sobre as falas dos participantes e César Rodrigues trouxe questões para os convidados feitas pelo público virtual que acompanhava o evento através dos canais do Núcleo Memória no Youtube e Facebook, além da página do Facebook do Memorial da Resistência. Em seguida, Ana Pato disse que as falas dos convidados ajudam a pensar no trabalho do próprio Memorial da Resistência por ele estar inserido em um prédio que durante muitos anos funcionou como prisão e que hoje a tarefa é ressignificá-lo. Encerrando a tarde, Maurice Politi (que foi um preso político na ditadura) parabenizou os convidados por suas instigantes falas e disse que a luta não é pela melhoria dos presídios e sim pelo fim da desigualdade social, principal responsável pela violência e criminalidade que vemos. Também informou que será feita uma pausa no Sábado Resistente no mês de julho, mas que ele retorna em agosto com mais uma atividades sobre o tema Direitos Humanos em Foco.

O evento pode ser conferido na íntegra através do seguinte endereço: https://youtu.be/6FIu0hjVfZk

 

Outros link’s de assuntos citados no evento:

·         Documentário “Sem Pena”: https://youtu.be/NcuCPkp8SHY

·         Manifesto “Há Tortura” do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (RJ): http://mecanismorj.com.br/wp-content/uploads/H%C3%A1-Tortura.pdf

·         Frente Estadual pelo Desencarceramento (SP): https://desencarceramento.org.br/

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