27/09/2021
Por EUGÊNIO BUCCI*
Na ressaca do descalabro que foi o discurso do presidente brasileiro na abertura Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira, em Nova York, a gente se acabrunha. O grau do vexame extrapolou as piores expectativas. Em meio a mentiras ofensivas, distorções estúpidas e apologia de fármacos abstrusos, a saraivada de despautérios não convenceu a ninguém e constrangeu o mundo inteiro. Aos conterrâneos do orador – dito mito, mas, de fato, mitômano –, só restou engolir a humilhação. “Vergonha” – este foi o título do editorial do jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição de 22 de setembro. Palavra bem aplicada.
Somos uma nação envergonhada, com as costas pensas sob o próprio fracasso. No ritmo em que as florestas deste país fumegam delirantemente, a esperança vira cinzas. O desastre ecológico e a tragédia sanitária se adensam num malogro político depressivo. Quando a autoridade máxima desta terra ardente (“qual fogueira de São João”) vai à ONU e pronuncia tudo o que pronunciou, em nosso nome, e nada lhe acontece, é sinal de que alguém aqui abdicou da dignidade.
Nessas horas, pouco adianta o sujeito sacar o celular e “postar” nas redes que o chefe de Estado é genocida. A inquietação lamurienta dos descontentes é seu triunfo. Cuspindo ácido sulfúrico, ele desfila sobre cadáveres de gente e de sonhos. Chamado de negacionista, ele mostra os dentes: negacionistas são vocês.
Talvez seja isso mesmo. Como já se percebeu o pior negacionismo não é o dele, que rejeita a ciência, o saber e o diálogo, mas o daqueles que se negam a ver que estamos diante de um inimigo declarado da democracia, obcecado em preparar um golpe de Estado. O pior negacionismo é aceitar a permanência do governante que aí está e, nessa aceitação tácita, assinar um pacto de sangue com o projeto de ditadura que ele pretende pôr em prática.
O pior negacionismo vicejou (e ainda viceja) nas mesas de financistas sem princípios, que decidiram fazer vistas grossas para o que tinham recursos óticos para enxergar. Por uma fatalidade, mas não propriamente por acaso, o pior negacionismo encontrou meios de se disseminar a sociedade, contaminando até mesmo algumas artérias das redações profissionais.
A contaminação ficou evidente já na campanha de 2018. O presidente que aí está, então candidato, subia em palanques para idolatrar torturadores, amaldiçoar a liberdade de imprensa e elogiar a ditadura militar. Com essa postura, afrontou diretamente os fundamentos da nossa democracia. Embora cumprisse as formalidades jurídicas para obter o seu registro regular na Justiça Eleitoral, como se fosse um candidato normal, declarou guerra contra o Estado democrático de direito. Esse fato – rigorosamente um fato, não uma ilação opinativa – ficou sem o registro devido.
Sejamos mais precisos. A Constituição de 1988, o documento-base da frágil ordem democrática que este país foi capaz de estabelecer, pode ter suas contradições internas e seus acochambramentos mal costurados, mas está assentada sobre um consenso pétreo ao qual todas as forças políticas devem lealdade. Esse consenso se materializa numa tripla recusa: a recusa da ditadura, da tortura e da censura. Ora, foi justamente para glorificar essas três formas de barbárie que aquele candidato se lançava em campanha e, não obstante, foi tratado em boa parte da cobertura da campanha eleitoral como se fosse, à parte seu destempero fascistóide, um candidato candidamente normal. Haja negacionismo. A vitória de Jair Bolsonaro está para a democracia brasileira como a vitória de um político declaradamente nazista estaria para a democracia alemã. Não foi e não é algo corriqueiro. Não é normal.
O mais aflitivo é constatar que, apesar de todas as provas em contrário, o negacionismo de pior tipo não cede. É repetidamente desmoralizado pelos acontecimentos, mas não cede. Seus estilhaços, como detritos ideológicos, ficam espalhados no chão da mídia e logo se reagrupam, em sucessivas e ridículas tentativas de dar crédito ao inacreditável. Uma das mais recentes veio na sequência dos atos golpistas de 7 de setembro.
No feriado, em comícios anabolizados por dinheiros estranhos, o presidente prometeu, aos brados, desobedecer às determinações do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte, para escapar aos processos que viriam, encenou mais um de seus recuos cínicos e assinou um texto mal escrito prometendo respeitar a separação e à harmonia entre os poderes. Como de costume, ele se desdiz sem pejo, como se fôssemos uma nação de bobos. Mesmo assim, seu documento de rendição obteve calorosa acolhida em certos escaninhos do jornalismo. Sem memória e sem caráter, o negacionismo que beneficia o negacionista se restaura.
Quanto aos endinheirados alienados, que resolveram acreditar no fantasma do comunismo com o mesmo fervor que devotam ao lucro digital, não há o que fazer. O chefe de Estado, ao ler aquelas barbaridades na ONU, os representa fielmente. A imprensa, porém, que tem vida racional, poderia pensar um pouco mais a respeito, mesmo que seja tarde demais.
*Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de A superindústria do imaginário (Autêntica).
Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 23 de setembro de 2021 e republicado no site “A Terra é Redonda”
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